quinta-feira, 23 de março de 2017

Benefícios físicos e mentais do Thai Chi Chuan atraem cada vez mais a atenção de psicólogos e neurocientistas.


Vestidos com roupas orientais, chineses idosos se movem em suave sincronia. Reina o silêncio. Para os ocidentais essa é a representação mais fiel de uma antiga arte marcial chinesa surgida no século XIII. Proibida durante décadas pelo regime de Mao Tse-tung, a técnica ressurgiu há pouco mais de 30 anos. Hoje, o tai chi chuan, que quer dizer "luta do pólo supremo", está difundido também no Ocidente em razão dos benefícios que traz ao corpo e principalmente à mente. Mesmo sem atingir o nível de popularidade da ioga, vem atraindo a atenção da comunidade científica para as vantagens que oferece a quem o pratica com assiduidade.

Embora seja frequentemente descrita como ginástica suave, uma forma de meditação em movimento ou dança, as raízes do tai chi chuan - ou simplesmente tai chi - estão nas artes marciais. É considerado, aliás, uma representação de conflitos internos expressos por meio dos movimentos. A técnica faz parte do que os chineses denominam wu shu, que nós, ocidentais, chamamos kung fu. De fato, na tradição oriental, o tai chi é definido como um "combate com a sombra". "As artes marciais mais conhecidas no Ocidente, como o karatê e o kung fu, as quais têm como objetivo infligir o maior dano possível ao adversário, na verdade são apenas um rascunho da original, cuja orientação básica é atingir o autoconhecimento e o controle do indivíduo", explica Marco Montagnani, professor de acupuntura e especialista em medicina tradicional chinesa. "Para o praticante de artes marciais, como o próprio o tai chi chuan, a idéia central é evitar o combate sempre que possível ou tornar o adversário inofensivo com o mínimo indispensável de violência", diz.

A técnica ocupa papel intermediário entre as técnicas de combate propriamente ditas e um tipo de ginástica terapêutica denominada qi gong. "Ele nasceu como uma arte marcial que tem também propriedades medicinais", explica Lucio Sotte, médico acupunturista e diretor da Revista Italiana de Medicina Tradicional Chinesa. Para muitos mestres, certas formas de execução do tai chi são consideradas qi gong. Sonia Baccetti, do Centro de Medicina Tradicional Chinesa Flor de Ameixa, em Florença, tem uma visão diferente. "Segundo os textos clássicos, o tai chi permite reequilibrar a energia e promover a saúde geral, enquanto o qi gong trata órgãos específicos. Ambas as técnicas usam movimento e respiração consciente para reativar a circulação energética".
Para a medicina chinesa, a saúde depende de uma boa circulação da energia, "pois as patologias nascem da estase, uma espécie de estagnação que pode surgir por vários fatores, como maus hábitos alimentares ou o que os chineses chamam 'energias externas perversas', como variações climáticas extremas, infecções ou emoções negativas intensas", diz a especialista. Segundo ela, o objetivo do tai chi é reproduzir no corpo os movimentos cíclicos do Universo, da aurora ao crepúsculo, do nascimento à morte; até que se entre em sintonia com o que nos circunda. Cada mestre cria seu estilo, que deve, no entanto, respeitar os princípios básicos da tradição", conclui.

tai chi praticamente não tem contra-indicações, exceto para quem sofre de lesões musculares (nesses casos, é necessário consultar um médico). Outra vantagem é que pode ser praticado por pessoas de todas as idades, em qualquer lugar, individualmente ou em grupo. Tudo que é necessário para executar as sequências de movimentos lentos e fluidos - geralmente definidos por nomes pitorescos como "vigiar o macaco" ou "o gavião abre as asas" - é um espaço relativamente pequeno e um par de calçados confortáveis. Isso não significa, porém, que se trata de um exercício fácil, apesar de os mestres ocidentais terem simplificado o método de ensino tradicional. Aprender tai chi chuan leva tempo, mas os benefícios não tardam a aparecer. "Quem faz logo percebe os resultados terapêuticos, que se intensificam com a experiência e podem levar, em uma década, a verdadeiras mudanças de caráter", afirma Marco Montagnani.

O aprendizado do tai chi se divide em três grandes fases. A primeira é dedicada ao tiao shen, a harmonização corporal. Nela o praticante conhece os limites do próprio corpo e melhora a coordenação motora, a circulação sanguínea e a capacidade articular. Além disso, os exercícios frequentemente auxiliam também na expressão de emoções.

Uma vez aprendidos os movimentos básicos, começa a chamada harmonização respiratória, o tiao xi, etapa em que, segundo especialistas, é favorecida a qualidade do sono, do humor e da vida afetiva. Nessa fase se aprende a levar a respiração até o umbigo, um centro energético, segundo os chineses, o que ajuda a controlar, por exemplo, ansiedade e ataques de pânico. "Não é à toa que quando estamos ansiosos tendemos a respirar com o tórax", explica Sonia Baccetti.

A última fase do aprendizado, atingida apenas pelos mais assíduos, é chamada harmonização do coração, ou tiao xin - a medicina tradicional chinesa atribui ao coração as funções da mente. Nesse ponto o praticante desenvolve habilidades que melhoram o relacionamento com os outros e consigo mesmo. Alguns estudos mostram que, exercitado durante anos, o tai chi ajuda a tomar consciência dos próprios limites e potencialidades. Se na fase anterior os exercícios combatiam a ansiedade, aqui são observados benefícios nos estados depressivos.

Dentre as medicinas tradicionais do Oriente, a chinesa certamente é a mais estudada. Em bancos de dados da literatura científica, como o PubMed, há milhares de referências, principalmente sobre acupuntura e qi gong. "Sabemos, por exemplo, que o efeito analgésico da acupuntura pode ser explicado pela ativação de vias neurais inibitórias, que conseguem bloquear o percurso do estímulo doloroso da periferia até o sistema nervoso central", explica Baccetti. Segundo ela, técnicas de neuroimagem como a tomografia por emissão de pósitrons (PET) mostram que a estimulação de alguns pontos do corpo ativa áreas específicas do cérebro, enquanto outros agem sobre o sistema imunológico ou regulam a produção de hormônios.

As pesquisas científicas sobre tai chi chuan, entretanto, apresentam limitações metodológicas que vão além das dificuldades comuns no âmbito da medicina preventiva. Uma delas é o período relativamente longo de aprendizagem, diferentemente do qi gong, que se baseia também em exercícios estáticos, mas bem mais simples de executar. "Em geral os ensaios clínicos não duram o suficiente para avaliar os reais benefícios dessa arte porque ela exige tempo e aplicação", diz Fuzhong Li, do Instituto Oregon de Pesquisa, que coordenou um estudo cujos resultados mostraram como o tai chi melhora o equilíbrio e previne quedas em idosos. "Uma das coisas que tendemos a esquecer quando estudamos os efeitos do tai chi é que a qualidade do instrutor conta muito e pode influenciar decisivamente os resultados", diz.

Apesar das dificuldades, o número de pesquisas sobre o tai chi chuan está se multiplicando rapidamente nos últimos anos, principalmente depois de uma excelente metanálise publicada em 2004 por Chenchen Wang, reumatologista do Centro Médico Tufts-New England, em Boston. "Pratico tai chi ocasionalmente, mas sou antes de tudo uma pesquisadora interessada em seus efeitos no organismo e no cérebro", explica a pesquisadora americana de ascendência chinesa. Vários estudos que fizeram parte da metanálise mostram que o tai chi pode, após um período relativamente breve (seis meses), aliviar a depressão e melhorar claramente indicadores psicológicos de bem-estar, tanto os ligados à percepção da própria saúde como os relativos à satisfação e à auto-estima. Outros estudos indicam ainda que o tai chi melhora a coordenação visual e motora e pode ajudar pessoas com demência leve a desfrutar melhor as próprias capacidades. "Entretanto, nenhuma dessas pesquisas é conclusiva, faltam evidências mais convincentes sobre os mecanismos de ação que justifiquem os resultados observados", adverte a pesquisadora.

De modo geral, os trabalhos analisados por Wang mostram que o tai chi melhora o equilíbrio e a mobilidade articular e ajuda a combater a hipertensão. Segundo ela, porém, "há muito para investigar ainda, por exemplo: quais estilos da técnica garantem maiores benefícios; quanto se deve exercitar e quais suas reais vantagens". Análises anteriores, como a realizada em 2003 no Centro Médico Erasmus, de Roterdã, fornecem resultados menos precisos, mas se justificam pela dificuldade de encontrar estudos com metodologia adequada. Mais recentemente, Wang publicou um levantamento sobre os efeitos da técnica chinesa em pacientes com artrite reumatóide, nos quais foram observados resultados promissores, seja no plano físico, seja no psicológico.
Provavelmente é longo o caminho da investigação científica sobre os possíveis benefícios do tai chi na saúde física e mental. Considerando, porém, que uma tradição leva séculos para se estabelecer - se não milênios -, vale a pena ter paciência e aprender a esperar.


  • Efeitos terapêuticos testados
    Músculos: estudo de 2005 do Centro de Controle e Prevenção de Doenças, em Atlanta, mostrou que o tai chi fortalece a musculatura postural e previne quedas em idosos. Outros estudos observaram redução na perda de tecido ósseo em mulheres na pós-menopausa. Quem sofre de artrite reumatóide parece também se beneficiar dos exercícios chineses, que melhoram a mobilidade das articulações, especialmente das pernas e do quadril.
    Coração: o tai chi favorece a qualidade de vida e diminui a intensidade dos sintomas de portadores de insuficiência cardíaca crônica, segundo pesquisa realizada na Falculdade de Medicina da Universidade de Harvard. No ano seguinte, estudo da Universidade de Liverpool Mostrou que essa prática é capaz de diminuir a pressão arterial em mulheres de meia-idade.
    Imunidade: portadores de Herpes zoster apresentaram melhora na resposta imunológica, especialmente indivíduos com saúde mais debilitada, segundo estudo do Centro Cousins de Psiconeuroimunologia da Universidade da Califórnia em Los Angeles.
    Sono: praticado três vezes por semana durante seis meses, o tai chi aumenta a qualidade e a duração média do sono e é mais eficaz que programas equivalentes de ginástica de baixo impacto, de acordo com trabalho realizado no Instituto de Pesquisa de Oregon.
    Auto-estima: a técnica foi considerada eficaz e contribui para a auto-estima e para a qualidade de vida de mulheres com câncer de mama, segundo pesquisa da Universidade de Rochester.

    Scientific American - por Paola Emilia Cicerone

    Fonte:
     Methodus 
  •    Taichirajá 

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